quarta-feira, 13 de maio de 2015

LEITE NEGRO


"Leite negro da madrugada bebemos-te de noite" Paul Celan

Na mesma terra negra, mais negra, a morte ronda
As mãos de quem obrigatoriamente se ajoelha
Ao canto do chicote, com lágrimas destinadas à dor
E à escuridão. O tremor do silêncio é um grilhão
Enferrujado e a terra arada um túmulo involuntário
Para crescer do Branco-dia um círculo infernal.
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite.
As bocas em sangue e carne viva na casa domada
E vil, onde as crianças negras choram com o Branco-dia
Que manda roubar o seio materno para beber a dança.
Mulheres de África gritam em puro ferro diante do braço
Rude e insano. A noite galopa pelo corpo e os sonhos
Cravam suas esporas no cabelo negro das procelas.
"Esperai, manhã! Não agite o berço da nossa agonia".
Negros corpos cansados e mais uma nova corrente
Assobia. Leite negro se bebe desde o velho mar
Ao banzo, ao voo do albatroz, ao mastro de despedida.
"Liberta-nos, águas de horror! As ondas também
Gemem um lundum e vamos distantes e não queremos
Migrar". O Branco-dia vocifera nosso destino atiçando
O sol inquiridor e os cães de chumbo. Não se tem saída,
Só os açoites nos abrem os olhos e cingem nosso desespero.
Negras tetas, negros peitos, nus e espantados: vocês têm
Sede e fome de vida? A serpente ri amaldiçoando sua cor,
Cuspindo em tuas sombras de lágrimas e em tuas histórias.
Leite negro da madrugada bebemos-te todos os dias.
Somos míseros escravos. Hoje um morre pendurado
Na palmeira onde lastima um sabiá. Adeus, irmãos da noite!
Adeus, horizonte do leão! Adeus, liberdade e fôlego!
Amanhã muitos outros morrerão. Brinca assim o Branco-dia,
E o povo de África (agora brasileiros) - leite negro - beija
a sua nova terra e se derrama pelo negro chão.
(VFM)

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