segunda-feira, 11 de maio de 2015

A MULHER IMAGINÁRIA


Para minha mãe e minha avó

É costumeiro eu acordar pensando nela. O silêncio andando pela casa, arrumando o quadro fora de prumo e lavando a louça de dias atrás - realmente é falar dela. Mas não há silêncio, isso é coisa imaginária. 
Eu não emagreci como ela sempre fica perguntando com aqueles olhos de relógio atrasado e com cor de roseiras. Talvez ela não saiba, mas comento dela livremente com aquela boca booooa de iguarias e cheia de palavras bonitas. Não, não estou doente, essa tosse é que engasguei com alguns dos teus fascínios. Ela acha que não percebo o seu cuidado comigo, inspirando e respirando pela casa. O café da manhã pronto e a vitamina para me dá forças diante do amargo caminho da vida. Já, sim, arrumei meu quarto e fiz o 'para casa', apesar de andar com a cabeça em desordem e estou aqui a escrever o que poderia ser perfeito pra ela, mas eu sempre estrago tudo.
Ela é quem me arruma o cabelo - coisas imaginárias - já que tenho muita minhoca aqui dentro - espalhando perfume ao vento e me guarda na carteira perto da nota de dez reais: último trocado! Minha foto vai com ela. Essas coisas de memória me salvam, assim ela não me esquece em loja qualquer ou nos braços dos outros. Acho que falo demais e o calor está aumentando e não consigo falar que ela não é imaginária, dessas personagens dos meus romances, mas confesso que ela está em pelo menos uma letra, pois ela alimentou meu nome e me cevou com grandes sonhos. Eu a amo e digo isso sem dublagem ou legenda com pequenos erros. Foi de repente que descobri isso, dentro de um ou dois drinques. Minto. Foi cumprindo os rituais da balada e retocando o batom naquele espelho engordurado em hotel barato. Minto. Foi devolvendo o sapatinho de cristal que ela esqueceu ao sair ébria do karaoke. Minto. Foi no seu colo de estrelas, nas tuas mãos fluorescentes e no seu zelo de pátria.
Isso, eu a amo e não precisa contar até três que eu já estou indo almoçar. Não, não vou me atrasar para a aula e, sim, já escovei os dentes e tomei banho, mas tem alguns dias. Eu a amo e não engulo qualquer choro, tá bom, tem músicas e livros que me inundam mais. Eu a amo e vou levar blusa de frio e uma garrafa de vodka porque hoje estou com dificuldade de achar um outro amor imaginário e a cidade anda suja e o médico me receitou cuidado com essas coisas de amor. Tudo bem, eu não demoro e volto com o pão e o jornal, se quiser compro aquela revista que ela tanto gosta com propagandas infindas de cremes antirrugas. Eu sempre tenho juízo, tanto que o pessoal do escritório guarda ele para mim lá no almoxarifado. Viu? Isso é prova de amor e olha que não colei.
Pode gritar meu nome, isso, mais alto, mais alto, mas eu disse tudo, tudinho, e não adianta bater, e sei que em casa a gente conversa. No entanto quero aproveitar esse momento, esse dia dado aos encantos e confissões, para dizer que ela não é imaginária, mas eu não me imaginaria sem você: MÃE.
(VFM)

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