terça-feira, 31 de março de 2009

Ovo ou galinha

Estava com fome. Era uma dessas vontades de comer (qualquer coisa) algo para estafar ou sujar os dentes. A garganta pedia suco, o estômago queria ovo. Abro a geladeira e vejo que não tem mais ovo, de novo?! Procurei no galinheiro do vizinho. Furtar de lá é muito fácil, ainda mais sendo o morador um velhinho.

Quando entrei no local o que via era um tropel de galinhas, brancas, marrons e pretas. Quem sabe pegasse um pouco de leite das tetas da vaca para acompanhar? Não. Quero ovo, mas nenhum sinal do objeto desejado por minha barriga. E porque não comer a galinha? Cadê a dama dos ovos? O que mais que tinha pra forrar? Procurei uma mais cheinha... Pegar o bicho foi um estorvo. Enfim, segurei a “bichinha” com vontade e levei direto pra cozinha.

Ao chegar a casa pensei: mas e agora? Como faria para essa ave colocar um ovo?! Esperar é que não quero e não agüento. Resolvi passar para os métodos mais severos. Apertei-a como se ela fosse um limão.

Nada...

Nada saí do cu da galinha (acho que esse bicho tem é cloaca). De lá só saia caca... Tentei ameaçá-la com uma faca. O animal, burro, estava tirando com minha cara, pois ela me olhava com aqueles olhinhos negros de quem não quer fazer nada e insinuando: “continue esperando aí seu babaca, não vou te dar nada”. Cogitei por um tempo e tomei uma atitude: porque não comer esta galinha mesmo?! Não vai ter ovo, presumo. Já estou quase desistindo e passando a querer um torresmo, daqueles bem cabeludos e brilhantes. Não, eu sou renitente. Dei um tapa no bico dela e gritei com ímpeto: Dá-me logo a porcaria do ovo, pois não pedirei de novo! Ela não queria colaborar, nem defecar a tal esfera marrom ou branca. A ave continuava a me ridicularizar: “não tenho medo de você. Arranca, arranca que eu quero vê!”. Meu pavio tinha se acabado, queimado, por inteiro. Foi quando peguei o porrete e, em riste, gritei: Quero ver quem morre primeiro a galinha ou o possível ovo aí dentro... A pancada seria derradeira e fatal. Podem achar que sou um cara mal, mas famélico como estava não dava para esperar, ou suportar.

No exato momento em que armei a pontaria, à “bichinha” com os olhos estufados de fobia, chega a minha esposa e da porta mesmo ela disse: “Comprei ovo amor!”. Perdi o rumo da tacada. Olhei para meu cônjuge assustado e esbaforido, aquela galinha tinha exaurido minhas forças e a paciência. Ao retornar o olhar para a mesa a ave tinha sumido.

Nunca mais a vi ciscar por aí. Nem eu nem o meu vizinho. O bicho não voltou mais para o galinheiro, sabe se lá por quê; acho que dei um gelo na coitada. Mas, agora, eu não deixarei de me apetecer com os ovos comprados para mim. Na ávida fome que me encontrava mandei, logo de cara, esquentar todos. Meia hora depois, eu quase desfalecendo, amarelo, e de mau-humor, estavam todos eles limpos e sem cocô. Num instante quebrei todos e, para minha surpresa, estavam todos chocos.

Não como ovo de novo, desisti!

Mais fácil é comer carne de jabuti.



(VFM)

quinta-feira, 26 de março de 2009

Lutuoso

Ao meu avô, João Ferreira.



Silêncio, um minuto,
Hoje acordei de luto!

Minhas Lágrimas vão a procissão,
Com uma parte do meu coração.

Agora só me vem a sua recordação...
Agora, quem vai me cantar uma canção?

Contigo pensava em mulheres de maiô,
Ouvindo boa música, fumando no bistrô,
Ríamos tanto de suas histórias de gigolô,
E choramos pela sua colombina, ó pierrô!

Tudo o que aprendi e
Foi contigo, meu avô!

Silêncio, um minuto,
Hoje acordei de luto!

Minhas Lágrimas vão a procissão,
Com uma parte do meu coração.



(VFM)

quarta-feira, 25 de março de 2009

Vida do Trabalhador

Tu conheces a vida do trabalhador brasileiro? Não os empresários e empregos hierarquizados da sociedade, mas os que calejam as mãos, os que pegam no pesado, na enxada e no machado? Saibas o teu cotidiano, então.

És tu, trabalhador, que despertas antes da aurora, onde a mata vasta e ainda orvalhada faz pulular os coaxos dos sapos enamorados. És tu, morador da periferia, que tens as vestes carcomidas e consomes o primeiro café do dia, amargo.

És tu, homem de inúmeras crias, que saúdas todos os dias os vizinhos, com disposição e alegria. No ponto cedo, esperas tua condução, como sempre lotada; moléstia do trabalhador. Mais uma sardinha na quadrada lataria ambulante. O aperto e os odores incômodos dos pobres laboriosos exalam em todo o ambiente. Além do mais, vais empoleirado por pelo menos uma hora em trepidação, solavancos e empurrões.

És tu, trabalhador, que sofres depois por tanto tempo e, ao chegares ao destino, caminhas para economizar outra lotação. E vais pensando na vida, em guardares teu ordenado. Ao mesmo tempo, cantas Wilson Batista e sua música “o bonde São Januário leva mais um operário sou eu quem vou trabalhar...” Enquanto isso, os carros importados desaguam nas avenidas e destoam a realidade brasileira.

És tu, senhor, que vês pelo chão sujo e sem nome, no meio do lixo, homens e mulheres cantando, misericordiosos, uma ode à pobreza, com os braços erguidos, ao léu, buscando o aperto de mão do dinheiro alheio; ao mesmo tempo, consumindo perspectivas inúteis. Assim, vais vendo crianças descalças correrem seus anos, debaixo dos semáforos, fazendo malabarismo nas faixas do triste fado. Lembras que algumas têm pouco ou mais ou menos o tamanho dos seus rebentos.

És tu, pastor do sofrimento, de andar pesaroso, tendo a insossa companhia da ilusão. Ao badalar dos sinos percebes o séqüito na porta da igreja, que és contido por sonâmbulas criaturas perdidas no tempo; algumas com três ninhadas nas murchas mamas. E pensas: “Orais por eles...” Tanta diferença social no vagalhão da realidade. “Que és feito de tu? Porque sonhas água fresca em pote conspurcado?” A cidade desagasalhada de Esperança chora torrencialmente em teus telhados, e os derrubam. Dás adeus aos teus pertences boiando em água pardacenta. Acenas para quem amas, despede-se da tua cama. De repente, a sirene do carro de polícia te desperta dos devaneios do cotidiano. "Lá se vão seres aflitos, presos por grades da sociedade que os formou...". Sentes pena e tristeza.

És tu, andarilho, de rosto vincado, com o varal dentário cariado e um e outro ausente, que ainda crê num mundo melhor. Ruminas num sistema capitalista ingrato, com suas características de escassez. Paras em frente à banca e subtrais do bolso o parco dinheiro para o jornal. Os classificados insignificantes e sem empregos.

No trabalho, chegas e pões a armadura do batente, que te tolhe os movimentos e que te faz transpirar em demasia. O sol soca o lombo torneado e rígido; a fome te faz diminuir o ritmo de trabalho. Chamas teus amigos para o almoço. O self-service, sem balança, te ajuda a deglutir a comida o quanto quiseres. De prato feito, pirâmide egípcia, tens de colocar a carne em outro vasilhame. Comes vorazmente, pois o tempo é teu algoz. Voltas e ouves os brados poluídos de teu enfadonho patrão. Ao fim do expediente, soltas os grilhões; recebes a féria, que não paga as contas e impostos exorbitantes.

És tu, sofredor, de cansaço explícito, de companheiros desnutridos e esquecidos pelo mercado. Trazes contigo a visão dos aflitos, enfrentas a mesma labuta diária, chata. No caminho de casa és recebido por pipas, bolas de futebol, fogos de artifícios e fogos de armas de artifício. És tu, com a cesta básica nos braços; de filhos esfomeados, fracos, uns de barriga d’água, os outros maltratados, mas semeias o amor.

És tu, trabalhador, negro, ébrio de cana brava que te faz esquecer o tormento e apazigua tua vida. Esqueces a chave de casa no balcão do bar, escutas pagode e danças sem parar. Esqueces de ti mesmo, assim como o governo o faz. Retornas ao lar. Beijas o semblante da mulher amada, e dormes... E sonhas um dia deixares de ser a segunda pessoa... Na gramática, na cabeça dos chefes, no dia-a-dia e na vida.

terça-feira, 24 de março de 2009

Minha vida sem Você

O que podemos diagnosticar sobre você? Quem, eu? Não, você: pronome de 3ª pessoa do singular, forma de tratamento não cerimoniosa entre duas pessoas iguais ou de superior para inferior. Palavra na qual é notoriamente usada, indagada e ovacionada por alguns.

“Você” é nome, é disfarce para os esquecimentos e falhas da memória no momento de referir-se a alguém. A divagação deste termo no seu âmbito de utilização leva a refletir as confusões de sua má colocação, como também a importância perante o nosso léxico. As maneiras são desmesuradas: já se falou com ar de crítica, de carinho, de sanha, de você mesmo. Todos se recordam da primeira palavra, do primeiro caminhar, mas ninguém se lembra do primeiro dizer: você.

A explanação de seu princípio público e modos díspares usados por nós revelam as mil faces do termo. Como ficariam os políticos com suas retóricas e o caráter persuasivo na indagação de planos para o vindouro mandato? A propaganda iria fenecer e não mais comunicar seus anúncios? Os poetas e apaixonados recorreriam a quem? E os músicos? E eu e você, o que faríamos?

São questões na qual não podemos apagar, não desaparecem. A cada “você” pensado e renegado a ser dito tornaria eu um ser ficcional. Os aspectos de convivência iriam modificar-se, transformando em superficialidade e prevalecendo sobre as próprias idiossincrasias de cada um. Isso acarretaria em tal conjuntura o colapso do receptor. Parece aflitivo pensar na repreensão. Talvez tenhamos que nos iludir da inexistência de “você”. Por que não torná-lo um mártir? Criar uma sociedade secreta para proclamar esta atrocidade. Será sua última morada, pois logo não saberemos mais seu paradeiro.

Devemos imunizar a sociedade sobre dúvidas de como se comunicar. Isto é regra? Isto é lei? Isto é sentença? Aos ilesos da exclusão e adeptos dela, dividiriam novamente o mundo. Uma nova ordem mundial. E os meios para divulgação desta beligerante são infindáveis. O melhor a fazer é deixar como está. Junto a você e com você.



Obs.: Este texto é um desses achados entre papéis avulsos e soltos na pândega em que vivo.

segunda-feira, 23 de março de 2009

MicroContos 2

"O Queridinho da Mamãe"

- Profissão?

- De segunda a sexta, Deputado. Nos fins de semana, Árbitro de futebol.


Peixe Enamorado

Sempre sonhou em flertar,

Mas não conseguia piscar.


O Africano

- Calma, benzinho, será rápido e indolor.

Disse para sua virgem esposa.


Kama Sutra

- Desse jeito não!


Homem Bomba

- Me dá um abraço?


Homem Bomba 2

Consequência de uma subtração de um número inteiro.


Ejaculação Precoce

- É tudo uma questão de tempo, ora!


Ejaculação Precoce 2

- Já?

- Fui!


Suicidas

- Adorei sua blusa.

- Obrigado! Acabei de pintar com sangue.


Saudosista

Ia todos os dias a banca de jornal,

Mas sempre pedia o jornal de ontem.


Coroa

- "Não sou nenhum rei, mas adoro uma coroa".

- Então come a sua avó!


Sogra(o)

Ter ou não ter, eis a questão!


Casamento

- Aceita casar comigo?

- Sim!

- Com ou sem emoção, amor?

- Com!

- Vou chamar mamãe pra morar com a gente, então.



(VFM)

domingo, 22 de março de 2009

DDD - Domingo De Descanso

Todo mundo merece um descanso.
Sentar no lago, ver um lindo ganso
Flutuando mansamente manso,
Lendo ao vento um bom romanço.

Todo mundo merece um descanso...
Ver a vida como uma criança,
Que ri num riso de esperança
O tempo que passa no seu balanço.

Todo mundo merece um descanso.


(VFM)

sábado, 21 de março de 2009

Para quê?

Para que vos quero mãos?
Se teu vestido de pele
Faz mal a minha vida.

Para que vos quero olhos?
Se tua visão me impele
Numa virtude falida.

Para que vos quero alma?
Que, indefinida, repele
O amor - Sua comida.

Para quê? Para quê?
Quero que tudo se sele,
Ó minh'alma perdida!


(VFM)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Alfenim

Vocês já se depararam com um sonho tangível e tão próximo, assim, encurtado, menos-metade, que é possível sentir todo o calor do seu desejo, como ardendo pimenta-braseira, dançante labareda do "distino", aquela manha fogosa que uma jóia carrega aos olhos femininos febris?! Cousa de meio segundo. Dá até taquicardia, júbilo de velas em procissão, lã no corpo quente, tipo isso, ou ademais que dito.

Embora muitos não tenham, ainda, passado por este mormente-momento contemplativo, o qual uns guardam uma amarugem de tristeza e um boldo ciúme, foi o que me aconteceu. Poetas Hymenoptera's de onde vim chamam isso de paixão-sacarose. Muitos atribuem como uma enfermidade além-Terra, que freme as finas pernas, capim no oitavo mês, um tufão de sentimentos, mixórdia de sal e doce, maçã e tapioca, assim-assim. Acho que me infectei dessa opípara vontade.

Como aconteceu? Flanava, mesmo em esmo, tentando seguir um alinhamento rígido, no labor cotidiano, sem erros, horas e mudanças. Andanças sobre molhança, mastigando fiança, dançávamos em disritmia. Pega peso aqui, obeso. Leva lado à lado, antipodamente. Período de escassez, pequenez provisão, maximização da fome. Eu, barulhento cáctus, não sorria tola gratidão, mas fazia sério mistério. Fila ia ia ia, macambúzia. Pão em grão. Muitos já dormiam de enterro. Tristes pontos, desaponto mútuo, negros, pardos, pintando o chão. E isso se prolongolava.

Às ordens. Esse era o lema. Regra tática, de se penar pena. Não se desobedecia. Quartel fiel. Eu era o só-unitário inobediente. Carga nas costas, encosta transposta, atentava outros caminhos, nem que seja um vago ninho, cendal. Pedi aquele velho conselho ao amigo, porém me dizia: "O bando eu sigo, sigo". Não quis lamber perigo. Joguei distração ao tropel e parti ao inóspito sítio. Quanta coisa poisa diferente no destemido. Isca de aventureiro é o novo. Arriscar é pescar a sorte três vezes. O azar é azo de vida. Tente tentar. Daí se foi-fui.

Miríades plantas, veludadas, cortantes, árvores de cobras, rasteiras, galhudas, sombranceiras, bichos briosos, cores de pássaro em revoada, cultura pronta desconhecida da mesmice. Até terra mole pisei. Medo-medo encostei de raspão. Não desisti. Andei comprido. Verde verdoengo em todo lado. Muito tudo em derredor. Quedei extático. Consequência: me perdi. Plantei um choro, semente malsã, que vem vindo dar fruto podre nos olhos. Sábio na urgência busca solução próxima. Assuntei com os propósitos e logo perguntei ao primeiro passante. Perguntar é questão sabida. Tudo se acha junta na pergunta. Foge timidez. Resposta dura é "não sei", que pula e te põe em continuar na lida. Outro. Outra. Pergunta.

Veio, assaz, depois, a indicação. Alívio. Fim do suadouro. Alegre por notar plagas novas, caminhei no avesso. Somado revivi. Esplêndido. Indelével. Mas, aí, a fortuna deu-me no imprevisto. Eis que a vejo... Alva-alvinitente. Noivado véu. Cristalizada. Massuda. Everestemente. Cândida, me esperando. Olhava-me. Idem-idem. Rompeu aquele sobressalto alvoroçado no peito. Sinal da cruz. Amém-Amém. Demoradamente fiquei a contemplá-la. Hora do rapto. Minha rapsódia. Lábaro do coração. Apaixonadamente, pedi licença, e a ela me agarrei, babujando. Saliva viva, fluvial. Beijei-a... Beijo tampando beijo. Lambuja plena. Ali decretava meu futuro. Porto seguro. Concomitantemente, meu fim. Mor Amor. Idolatrado Alfenim.

Lá com ela fiquei meses. Duramos centúrios tempos. Quando vi que poderia voltar e, dum cado, compartilhar, regressei aos velhos tocos. Ovacionado, desfilando meu amado troféu, fiz-me Rei, com concordância lata. No tempo de miséria, a alegria se fez etérea e se prosperou no formigueiro.

Assim foi que, pela primeira vez, achei um monte de alfenim. Meu amar de açúcar. Sugar-sugar.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Sorores

Pode parecer um começo banal.

Foi! Em momentos aleatórios.

Era uma vez... (Assim o final)

Freiras, nuas, com calafrios,

Montavam seus escritórios,

Num Alto de um Alto fanal.

Placas, de flúor, um sinal,

Luz-Anunciavam
: Sanatórios.

Moral: Falta de sexo papal.



(VFM)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Homo Erectus

Foi a primeira vez que experimentei aquele famigerado comprimido quadrilátero. Viagra. Pipa azul, como dizem os velhos senhores e jogadores de dama na Praça 7. Eles que me indicaram quando, ao parar para ler uma notícia na porta da banca e fumar um cigarro de palha, começaram a jogar porrinha do meu lado. Não resisti, pois sou botequeiro de copo trincado e não me abstenho desta clássica jogatina boêmia.

Éramos cinco. Astor, Diógenes, um banguela que parecia o Popeye (não ouvi seu nome devido à falta de dentição), Sebastião e eu.

- Sete!
- Nulo!
- Dez!
- Nove!
- Oito!

Gritamos com nossos palitos, braços em riste. Somamos. O Popeye venceu com seu 7 fajuto. Rindo com sua gengiva escura, ele aproveitou para contar um causo do seu relicário histórico (vou tentar dizer mais ou menos, bem menos, o que, ele balbuciou, ele disse).

- Sete! Foi isso mesmo. Tomei um comprimido que colocou a cabeça latejando, furando nuvem.

- Tomou um LSD, foi?

- ! Viagra. Esse lobo azul desossa qualquer quenga. O pau vira porrete.

- Eta!

E continuaram com a conversa depravada. Saí fingindo comprar mais um varejo. Nem despedi. No ponto do busu fiquei matutando aquilo. Podia ver de qual é desse tal bicho azul aí. Mas com quem iria usar? Não tava rapando ninguém, só casca de angu do restaurante do trabalho. Deixei pra lá, naquele momento.

Na volta me voltou o azul, ainda mais quando fui pegar o busu. Resolvi assuntar numa farmácia. Meio sem jeito, jeito sem meio, esperei um homem desocupar para perguntar.

- Tô a procura do Viagra.

Disse eu quase de boca fechada.

- O quê? Viagra?

Gritou o sem mãe me anunciando, melhor, denunciando.

- É! Pega um pra mim lá.

Não questionei mais nada e passei direto para a caixa registradora. Paguei (caríssimo). Voltei a rua com um sorrisinho de criança sapeca.

Guardei no quarto e por lá deixei até chegar o fim de semana. Sábado! Já sei. Vou pra zona. Melhor lugar para o test drive. Ponto. Busu. Centro. Gente. Mais gente. Cheguei. Subi na primeira porta que aparentou ser local inapropriado. Vi logo de cara um negra com um traseiro... Traseiro não, caçamba. Ô loco! Nada perguntei. Entrei e é isso mesmo. Vamos testar.

Nome: Jussara
Origem: Rio de Janeiro

E começou o trabalho. Eu mega ansioso. Vou esfolar essa mulher. Ria por dentro de dó e escárnio. Mas o que aconteceu? Nada, literalmente. O meu garotinho impávido ficou foi pálido e não se agitou.

A senhorita carioca ficou me olhando como pensando "tá demorando" ou "esse não vai". E não foi mesmo. Busquei outra profissional. Entrei. Deitei. Idem. Paguei sem nada acontecer. Preferi não arriscar a terceira vez, pois o dinheiro já estava minguando. Deve ser porque sou novo que não bateu esse troço, só pode. Fui embora cabisbaixo.

Já escurecia. Fiz o caminho inverso e cheguei na minha casa.

Deitei.

Música: Sérgio Reis.

Adormeci.

Horas tantas. Madrugada pesada. Acordei com a cama piscina. O danado do remédio tinha era me tirado o sono. Oblongas horas acordado. Tentei me masturbar, mas nem assim o danado enrijecia. Dormi no sofá segurando aquele ser flácido e inerte. Sorte que minha mãe não me pega naquela tragicômica cena.

Acordei emputecido. Fiz todo o procedimento matinal antes de ir trabalhar. Mas antes peguei um remedinho que tinha guardado, pois queria retribuir o nobre Popeye.

Desço na Praça 7 e me deparo com os caríssimos senhores, os quatro, jogando, como sempre, na atividade viciosa da porrinha. Cheguei cumprimentando a todos. Joguei uma partida, que, obviamente, perdi. Sebastião levou a melhor. Dirigi-me ao Popeye e falei que tinha experimentado um genérico do lobo azul e foi sensacional. Todos riram. Disse alegremente que tinha comprado um para presenteá-lo.

-Obrigado!

- Espero que goste. Depois você me fala se deu para “mandar vê” em mais de sete.

Entreguei. Parti. Não passei mais naquela região para saber qual foi o efeito que o ecstasy tinha causado nele. Só imaginei a cena.



Obs: Este fato é fictício e qualquer semelhança é mera coincidência.

terça-feira, 17 de março de 2009

MicroContos

1- Sinuca

No buraco negro

A bola branca pode cair


2 - Fobia

Quis pular a sua sombra

Para não pisar no escuro.


3 - Maradona

- Vai na linha de fundo!

Entupiu o nariz no escanteio.


4 - Ex-Ébrio

Toda manhã mastigava cana-de-açúcar,

Pois queria ter alguma lembrança.


5 - Puta

"Eu te amo demais",

Disse ela ao 29º cliente.


6 - Guloso

Queria comer uma bala

Então deu um tiro na boca.


7 - O Leitor

Gostava tanto de ler

Que tatuou um poema no olho.


8 - Cúmplice

Pensou em roubar a carteira alheia,

Mas decidiu distribuir santinhos.


9 - Nerd

Queria bater o recorde e entrar no Guiness Book

Segurando por mais tempo o botão "Del".


10 - Ninfomaníaco

Se masturbava lendo a lista telefônica.


11 - Afobada

- É menina ou menino, doutor?

- Primeiro você precisa transar.


(VFM)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Barquinho de papel

Pedro não aguentava mais olhar pela janela o pranto do céu. "Deus devia estar muito triste com seus filhos, pois faz dois meses que os olhos divinos não estancavam". Água benta seria isso?", intrigava-se o menino. A televisão só passava os desastres do chororô. Não sabia quem era o culpado pela torrente celestial. Pedro vivia na cidade grande, com todo o conforto de uma família de classe média alta.

Todo dia a cena se repetia. Chuva. Chuva. Chuva. "Será que Deus quer fazer mais um rio por aqui? Quantas gotas são necessárias, mamãe?". A mãe ria das invencionices do garoto. Respondia laconicamente, o necessário. A insatisfação era clara nos seus olhos claros. Ele queria tanto brincar na rua. Mudava de canal a cada dez segundos. Chorava de birra e se zangava com o tal Deus, que todos diziam ser bondoso. Neste período era reclamação intérmina. "Eu quero, eu quero, eu quero, brincar", uivava o petiz.

Muitos morreram no curso impetuoso daquela água, afogados, destelhados, friorentos. Assim seguia o outro curso d'água, o curso da vida.

Pedro esquecia de tudo e só pensava que outras crianças, em outras plagas, seriam mais felizes que ele.

Na cidade de Joaíma Pedro continuava chorando, pois queria sair para brincar. Não aguentava mais ficar deitado na sua cama dura. Todo dia era a mesma coisa. "Outros meninos devem estar mais felizes do que eu", refletia o menino. E assim continuou a reclamar durante os dois meses que sucederam na mesma situação. Pedro sonhava... "Um dia há-de, quando o sol cansar de ferretear a pele e deixar aparecer sombra, chover. Quando chegar esse tempo de chuveiro vou poder, finalmente, soltar meu barquinho de papel", pretendia Pedro querendo chorar mais para encher bacia. Sua mãe logo servia água de palma, amarga e branca. "Vai deitar meu filho, pois a insolação já matou seu irmão, não quero outro indo pra terra dos pés juntos", dizia de olhos úmidos, única forma de se ver água naquela região.

E assim cada Pedro seguia sua vida, sempre reclamando.

domingo, 15 de março de 2009

Domingo

Corre mais um dia, domingo.
Ei-lo, frouxo, um choramingo,
Sumindo, de pingo em pingo.
A volta do labor, do gardingo
Ao seu posto, que num xingo,
Com sua galhardia de gringo,
Lamenta: Acabou o domingo.

Agora vêm os dias de feira.
Aos malandros, uma frieira.
Aos esforçados, trabalheira.

(VFM)

sábado, 14 de março de 2009

Pela Poesia!

E pensava no verso diverso no universo adverso. O lápis submerso na nulidade alva. Rimas? Mas naquela meditação forçosa, o jeito que começa, um quebra cabeça sem peça, continuou. Lia algo para que o elã pudesse novamente rebrilhar. "Amo nos versos a surdina/ os tons de opala oriental,/ do luar das noites de neblina,/as mortecores de um vitral".

Apreensivo. Sufocado. Nada pululava. Quando, de súbito, numa prostração de desistência, ela vem... simples, sem muita alegoria, balouçando, num vórtice.


Quanto pensar na sua realeza
assim, a medo, os nenufares
me conduzindo, até chegar,
no trigal de tua forma-norma.
Reflorestando seu tempo,
Cercando-o, com folguedos
Na escuridão, uma mendicância
Levanta o oscilante lençol,
Eu, só, desbotando, pedia
A última refeição do dia.
Poeira rubra ou chuva fria,
Mas que tempere, sempre,
Com açafrão de Poesia.


Andejando, meio descabido, hão de indagar: "O que ele devaneia tanto canto?". E lhes direi: Humor de Poesia! Meu único comprimido diário.

Hoje quis devanear, pois não poderia deixar passar debalde um dia dedicado e encomiado a Poesia. Ela, donairosa senhora, ganhou esta homenagem devido ao poeta brasileiro Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), no dia de seu nascimento, 14 de março.

Lembro-me quando conheci Castro Alves. Surgiu na casa da minha avó (Que Deus a afaga agora) um livro amarelecido, páginas caídas, longinquamente mal viradas, esquecidas, constava no título: "Espumas Flutuantes", autor: O próprio poeta condoreiro, Castro Alves. Cismei. Olhei demoradamente, como contemplasse um quadro de Giotto. Li, reli, tresli. Todo o romantismo carregado em suas palavras me afetaram, de profundis. Caso posso oferendar a alguém, recomendo o "poeta dos escravos". Leiam! Enfim. Um regalo, então, do nobre bardo:

Soneto

MOTE

"Das almas grandes a nobreza é esta."

GLOSA

AQUI, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.
Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!
Repara como o povo te festeja...
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!
Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
"Das almas grandes a nobreza é esta."

E Viva a POESIA!

sexta-feira, 13 de março de 2009

Blog

Como não fiz a reverência, os cumprimentos, nem os pés de vocês, caros leitores, osculei, digo a todos que sejam bem vindo ao meu microcosmo. Quem me vê acha estranho, depois de léguas do tempo, criar um blog na atual conjuntura. Demorei, sei disso. Relutei comigo mesmo numa estupidez, talvez, de colocar em evidência, ainda mais, meus rabiscos, rascunhos e garatujas. Todavia, eis ele aqui. Não penso, também, com prepotência ou presunção, angariar mais leitores, pois isso ocorre de repente, sem premir a vontade de cada marujo cibernético.

A ideia (agora sem acento, aff!), de estruturar esta nova ferramenta da internet, veio também por observar que muitos escritores e poetas iniciaram e divulgam seus trabalhos aqui. Fiz uma matéria para a revista Ragga (http://www.ragga.com.br/) sobre "Novos Talentos Literários", que me descerrou os olhos. Percebi, então, que podia tornar público, para mais ou menos gente, as digitais do meu pensamento. Receei montar isso por ter que manter sempre atualizado, "será que tenho tempo?", penso eu, cá, com minha cartola. Não custa tentar, ora! E foi isso que fiz. Tá aí! Para apreciação, aturdimento e desgosto de muitos-poucos. Coloquei o fardo no dorso e farei esforço para deixar esse blog o mais hodierno possível. O dado está lançado. Que assim seja.

Enfim, vou seguindo meu caminho, soprando moinho, debruçado no órfico mundo, medindo distâncias entre sonho e vida, num rastro dos meus ideários e na jangada da felicidade desmedida.

É isso!

Poemas e Quinquilharias

Bem... Acho que algumas pessoas (amigos e familiares) já sabem que publiquei um livro ano passado, com o título de Poemas e Quinquilharias. A história de como ele veio ao lume é outro causo que não vou pormenorizar aqui. O importante é que saiu e um dos meus sonhos se concretizou. Para este ano já providencio a segunda edição, pois os livros se esgotaram, devido a pequena tiragem. Avisarei a todos sobre o evento, etcetera e tal. Por ora, deixo abaixo um acepipe, um poemeto presente no meu livreto. Espero que apreciem.


Árvore da Vida


A árvore franzina com sua copa enorme,
Em profundo êxtase telúrico onde dorme,
Mesclando com a fauna e o aroma da flora
Resplandece, freme, envolve-se com a aurora

Num nascer de sol luxuriante. O Zéfiro – a Brisa!
A correr como rapariga sem ver onde pisa,
Derriba a paz das ramagens formando sua alfombra.
Um mistério de luz forma com parca sombra:

Éreis Primavera?! És sopro outonal de despedida
Tombando junto com o pranto do orvalho.
Dir-se-ia que nesse toque vibrátil de cada galho

És estranha mágoa a emurchecer a única flor,
De um desfolhar que era o nosso amor,
De uma folha última que era a nossa vida.


(Vinícius F. Magalhães)

Minha Crônica no Tribuna Lagoana (Nova Era)

Uma página, uma Nova Era



Enquanto espirrava, folheava um dos livros de registro, aqueles enormes livros, a bíblia dos sábios e admiradores únicos e escassos da biblioteca. A maior parte das linhas, retas, encontrava-se vazia, límpida, como um céu na primeira manhã de verão. Os poucos traços azuis borravam os papéis puídos de nomes de seres já do além. Não conseguia decifrar de que família pertencia aquele assíduo leitor. Cuidadosamente, passava página por página, trabalho em vão, ofício de um homem a procura do tesouro. Na sala ao lado a bibliotecária já me olhava com pena e intriga, “O que ele tanto procura no diário de aluguel de livros?”, pensava ela com seus botões mal cosidos. E abraçado, tristemente, lendo alguns nomes, naquele caderno de brochura, que percebi as migalhas da cultura e o mofo do descaso pelos livros, naquela linda biblioteca de Nova Era.

Há de se saber que no Brasil o equivalente a 77 milhões de pessoas afirmam não gostar de ler, segundo a pesquisa realizada, no ano passado, pelo Instituto Pró-Livro. As justificativas principais para os fantasmas da leitura foram: não têm paciência para ler, leem muito devagar, não compreendem o que leem e por aí segue o descabimento. Esta é a realidade brasileira, a qual deixa as prateleiras das bibliotecas literalmente organizadas, petrificadas, intactas, somente destinadas aos paleontólogos literários. Não faço, aqui, votos para a aquisição de livros em livrarias, pois sei dos altos preços. No entanto, existe, em cada município, aquela mina do rei Salomão, aberta ao público, cheia de pérolas da história. Mesmo assim, lá está o guarda-livros largado a festa das traças.

Abro um novo livro. Atiro um olhar de indignação, principalmente por Nova Era, a esta cidade contando mais de três séculos, sem um sebo sequer, sem um reflexo de cultura-histórica, que tanto carrega; ou mesmo a curiosidade dos seus habitantes pela leitura, por aquele local. Tenho conhecimento da falta de estrutura e de acervo para a casa pública do saber, mas é evidente a contramão que seguimos, pois o déficit de leitura, desde os estudantes, é deplorável. A população é incapaz de digerir um jornal diário, uma revista, quem dirá de uma bula de remédio! Ah! Claro, fofocas e tititis de novelas e vida dos artistas, sangue e futebol, isso é a chama que clareia a penumbra dos tontos olhos. E alguns dirão: “Que me importa isso?”. Com certeza, também, meia dúzia de políticos, eleitos por você, devem estar agradecendo a sua falta de informação. Logo, os “iletrados” têm menos questionamentos a se fazer e nunca irão ler as absurdas propostas e projetos de leis. Depois fica você, na porta de casa, reclamando disso e daquilo e fala que político só deseja roubar.

Leio outro capítulo. Viro a página. Mais um problema.

As leituras obrigatórias dos colégios, supostamente impostas pelos professores, (sou prova disso) acabam sendo ineficientes e de pouco entendimento para os alunos. Machado de Assis? Que chato! Cochilos na primeira página. O próprio ensino pedagógico, às vezes, inofensivo, falha ao tentar enfiar os clássicos (para os estudantes óleo de fígado de bacalhau) goela abaixo. O contexto social de cada pessoa, também, deixa em frangalhos qualquer professor, porém não é o caso para tanto descaso. Deve haver reciprocidade tanto pelo “leitor” quanto pelo professor. A didática não pode ser jurássica, bem como o aluno melodramático deve ser mais entusiástico.

Antes de fechar as páginas desta questão, quero dizer que pouco custa à curiosidade. Que o fuxico seja entre Bentinho, Escobar e Capitu. Procure adentrar as portas desse patrimônio da cidade, e, em seguida, riscar com os olhos as páginas de um livro. Um bom papo, uma boa história, surge, muitas vezes, nas frases de uma obra.

Assim, tranquilamente, depois do vácuo encontrado naquele objeto do guarda-livros, torno a apanhar a caneta, tiro a fina poeira enferrujada das linhas, e molho o papel com o meu nome nas páginas de uma Nova Era.



Vinícius Ferreira Magalhães