terça-feira, 31 de março de 2015

ONDE ESTÃO?


Onde estão aquelas
Rosas despidas
Em que as aranhas
Tecem espinhos?

(VFM)

JOÃO FERREIRA

PELOS 6 ANOS DE AUSÊNCIA DO MEU MESTRE!

João Ferreira 
Tem olhos inesperados
Na noite cansada.
Acha que beber espelhos
É recomeçar por 3 meses a terapia.
João Ferreira não tem imaginação,
Vive confiante ao achar que ressuscitar
É pagar uma bagatela para dormir
No colo da amante, que ele chama
De divã da manhã, ou bancada do prazer.
João Ferreira ainda não acordou
Os tornozelos, pois seu reflexo é de liberdade.
(VFM)

sexta-feira, 27 de março de 2015

DÊ-ME TUA BOCA


Dê-me tua boca
E eu cantarei as flores dos pássaros em disputas.
Dê-me tua boca
E eu colocarei silêncios adolescentes e ansiosos no dia.
Dê-me tua boca
E eu adormecerei revelando as palavras que palpitam.
Dê-me tua boca
E eu deixo nela chuvas coroadas de um eclipse.
Dê-me tua boca
E eu, boca a boca, suspirarei o frescor dos crepúsculos.
Dê-me tua boca
E eu, com potência sigilosa, afogarei o céu com minha língua.
Dê-me tua boca
E eu direi, silabado, que agora não habita mais em ti o vazio.
Dê-me tua boca.

(VFM)

A NOITE É UMA BRASA AINDA ACESA NA LUA


a noite é uma brasa ainda acesa na lua.
queimam-me os dedos no rastro da angústia,
pois tenho um copo vazio estendido no ventre.
foram algumas cervejas e algumas rezas
para sanar a minha ressaca minada
pelos dedos acesos duma flecha absoluta.
o corpo tolhido no espelho é um enorme
silêncio onde o alfabeto se rememora.
algo arde na boca com o mesmo gosto
de ontem, com a mesma palavra
descascada no núcleo de barbatanas
que desejam irromper a arenosa
paixão, o fumo da manhã destelhada.
ardem no mundo o caos, a inconformada
vida do tempo e de nomes; o brutal de mim.
enfiava a mão pelo bolso escuro e esplêndido
na busca dos dedos devastadores, da cadeira
manca que pende sobre meus desejos.
a menstruação está quente nas madressilvas,
colorando a sombra sentada no cais.
há lua minguando na carne extasiada,
agora, creio, escadas descem para absolver
a caneta dissolvida na água materna.
a noite furibunda toca trompete por ruas
abaixo do mar, abaixo das hipocresias.
alguém, porventura, diz que não é hora
de visitas e o poema deixa de entregar
suas drosófilas, já que o nariz sangra
e o olho brilha no fundo do túnel.
li que antes de escurecer um sonho é 
importante amanhecer nas latrinas, onde
existe comércio e perícia, e não posso
ter usura por meus poemas sem fôlego.
olhe as cinzas, olhe meu cansaço na luz
antiga no qual inseguramente há ferocidade.
um poder destrói o poema, a noite, a crisálida,
enquanto a cerveja desce junto com a fumaça?!
Abre-se a ideia para pedir, entre falas e blablablas,
a conta que nenhum sorriso quis pagar?!
a minha solidão é uma estrela alta.
o cigarro é uma boca que não beijarei
na noite suicida. o coração resiste como
invento da espada para não se silenciar
em sopro, em fungo, na música noctívaga,
nos ombros dementes e na imobilidade da
auréola.
quando a madruga impera na manhã
de cevada puríssima, que esquenta a memória,
se pretende dizer algo, se desvanecer de
fatos, distâncias em terra firme polinizadas.
é manhã? é bárbaro fulgor? é a nossa vida?
nada mais que noite, linho, cuspes, coices.
o amor é terrífico. o amor é ave em vidro.
o amor é uma giesta devorada por fiado.
coubesse no fim da noite fusos mortos
e uma rapariga no sangue e uma bicha
como brisa na garganta, como fruto
desperdiçado. na casa da noite em que vivo
o gato invade o quarto e arranca do lençol
as palavras carnívoras da boca imediata,
as vozes cobertas no ofício de serem
impertubáveis e inatingíveis, as vozes
transparentes que fazem da noite uma
musa infundida como rosa no cinzeiro.
(VFM)

QUANDO DIGO A PALAVRA ESTRELA




quando digo a palavra estrela
arranco da língua uma substância
que fulgura diante do silêncio
profundo dos homens da cidade.
quando digo a palavra estrela
arranco da língua uma substância
que escorre pelos instrumentos
afinados para as ribaltas.
quando digo a palavra estrela
arranco da língua uma substância
que, incendiária, é uma solidão
na garganta desabitada.
quando digo a palavra estrela
arranco da língua uma substância
que, espessa, é um corpo
purificado de um poema selvagem.
quando digo a palavra estrela
arranco da língua uma substância
que desconheço, mas sei que é
é uma luz que não se perde.
quando digo a palavra estrela
arranco da língua uma substância
perdida, um satélite para cantar
a morte nos subterrâneos.

terça-feira, 24 de março de 2015

sexta-feira, 20 de março de 2015

MACHUCADO


Cai a tarde
E o sol fere
O outono pelas costas.
Para estancar
A ferida luzidia
Põe-se um esparadrapo
Lunar,
Assim se acolhe
Os vestígios
Da noite que se anuncia.

(VFM)

Múltipla escolha


Eu já perdi a conta. Não sei se foi por A mais B ou sem + nem - que errei na minha prova de amor.

(VFM)

POEMA


A boca desolada,
A lágrima na arena dos olhos
E o denso prestígio
De dizer que a pedra
É a humanidade amordaçada
No tormento do infinito.
(VFM)

terça-feira, 17 de março de 2015

A PALAVRA AMOR


Na boca não cabe a palavra Amor.
Tem grandes letras sobre a criatura fragilizada
Ao paladar, o sabor da doidivana narrativa do coração.
Tentei aprender a dizer outras tantas: silêncio, lucidez, crepúsculo.
Mas essa tal o lábio não a diz. Creio ter poder
Acima de todas as demais. Deve reinar com pulso hirto,
Impaciente, castigando quem a profere a tarefas loucas,
Até chegar ao esquecimento e a aniquilação.
Na boca não cabe a palavra Amor.
Mas tudo bem. É fácil trocar essa imortalidade
Pela palavra que se põe nua em minha boca: Você.
(VFM)

sexta-feira, 13 de março de 2015

NAS GARRAFAS NÃO CABEM


Nas garrafas não cabem
Cartas pequenas
Ou grutas de socorro.
Nas garrafas não cabem
Doses de preguiça
Ou náuseas de chegada.
Nas garrafas não cabem
Manhãs marítimas frias
Ou enjoar de sonhos salgados.
Nas garrafas não cabem
Bandeiras, fogos, apitos,
Ou mulher bonita, instantes.
Nas garrafas não cabem
Mil faces, vidas, diamantes,
Ou luxo de sombras, ressacas.
Nas garrafas não cabem
Sobreviventes de espumas
Ou alguns olhos oxidados.
Nas garrafas não cabem
Marinheiros com pau duro
Ou gritos de várias estátuas.
Nas garrafas não cabem
Espelhos fingidos e endiabrados
Ou saudades reencontradas.
Nas garrafas não cabem
Esperança, olhar antigo, múltiplo,
Ou salvação na prancha do drama.
Nas garrafas não cabem
A vida, talvez, boa, espaçosa,
Ou o naufrágio breve.
Nas garrafas não cabem
Passarinhos oferecendo cantos,
Ou gaiolas de água-viva.
Nas garrafas não cabem
A mulher que espera a volta
Ou conjuga as lágrimas.
Nas garrafas não cabem
O permanente, os gestos, o run,
Ou o mistério da melancolia.
Nas garrafas não cabem
A trama da alga na aurora,
Ou a fala amorosa da lua.
Nas garrafas não cabem
O peixe louco e muito calado
Ou a vida longe de mim.
Nas garrafas não cabem
Poesia, problemas, paisagens
Ou carícias em ondas.
Nas garrafas não cabem
Vitórias e louros e fracassos
Ou mais fracassos e ascos.
Nas garrafas não cabem
Fantasias e algumas violências
Ou carinhos minúsculos.
Nas garrafas não cabem
O esplêndido ser e a confiança
Ou o exterior das mentiras.
Nas garrafas não cabem
A boca que destrói os minutos
Ou a gravidade de dois seios.
Nas garrafas não cabem
o Instinto, o impudor, os dedos,
Ou o abraço abandonado.
Nas garrafas não cabem
A alegria mordida na onda
Ou a triste estória arenosa.
Nas garrafas não cabem
A morte silenciosa e faminta
Ou a vida, o cônjuge pacato.
Nas garrafas não cabem
O cheiro da pátria na carne
Ou as distâncias dos trópicos.
Nas garrafas não cabem
A música dentro da face de pedra
Ou o silêncio incendiado.
Nas garrafas não cabem
O hálito, a mãe, as espadas
Ou a loucura a loucura do mar.
Nas garrafas não cabem
Ó meu amor, os livros, os mitos
Ou a reconciliação com Deus.
Nas garrafas não cabem
Os precipícios da memória
Ou a transfiguração dos coqueiros.
Nas garrafas não cabem
As oferendas ao bolso abstrato
Ou o dinheiro demente.
Nas garrafas não cabem
Nosso íntimo, o sorriso que alimenta
Ou a decisão da resposta.
Nas garrafas não cabem
O banzo moroso da vida breve
Ou o perdão martirizado.
Nas garrafas não cabem
O sal, o profundo sal em mim,
Ou o doce fruto da eternidade.
Nas garrafas não cabem
Tantas palavras assim, iguais,
Ou, talvez, o mijo, o mijo.
Nas garrafas não cabem
A epopeia de Noé, bicho louco,
Ou arcar com as consequências.
Nas garrafas não cabem
O anzol perfumado da língua
Ou a mentira, mentira, mentira.
Nas garrafas não cabem
A verdade supersticiosa caberá?
Ou a guerra, os membros, a dor.
Nas garrafas não cabem
O último pedido, a refeição,
Ou a guilhotina dos desejos.
Nas garrafas não cabem
Os espasmos da alma ou te ver
Ou o punhal que me acaricia.
Nas garrafas não cabem
Tudo, tudo, tudo, tudo, tudo
Ou nada do que falei e penso.
Nas garrafas não cabem
A livre tolice e a equilibrada filosofia
Ou o coração partido e democrata.
Nas garrafas não cabem
A flor diurna do teu nome
Ou a hipocrisia de não dizê-lo.
Nas garrafas não cabem
O que escrevi na carta descascada
Ou no lápis que nunca tive.
Nas garrafas não cabem
A sede de amar mais uma vez
Ou a fome doente do antigo amor.
Nas garrafas não cabem
A bicicleta do novo alfabeto
Ou a paralisia das cidades.
Nas garrafas não cabem
Minha máquina de sexo de enxofre
Ou o polvo que me masturba.
Nas garrafas não cabem
A paisagem das podres laranjas
Ou o sol dentro dos cocos.
Nas garrafas não cabem
O violão, teu corpo de cítara,
Ou a corda arrebentada da lua.
Nas garrafas não cabem
O calor que nunca acaba
Ou este mês pesado em meu colo.
Nas garrafas não cabem
Meus pensamentos sem saída
Ou a entrada de um labirinto.
Nas garrafas não cabem
O passado o presente o futuro
Ou o relógio ancorado no pulso.
Nas garrafas não cabem
As barbatanas do tempo afora,
Ou o atum que fede meu sono.
Nas garrafas não cabem
Aquele anel que roubei do mundo
Ou a ilusão do teu marulho.
Nas garrafas não cabem
A luz estanque do velho poente
Ou o desembarcar dos teus beijos.
Nas garrafas não cabem
A saudade, a plácida saudade,
Ou toda a saudade existente.
Nas garrafas não cabem
O que me devora por dentro
Ou a amarga beleza viva.
Nas garrafas não cabem
A política de não querermos mais
Ou o voto de castidade.
Nas garrafas não cabem
Os amigos límpidos e noturnos,
Ou a família cor de pérola.
Nas garrafas não cabem
A arte, a porrada, o desconhecido,
Ou o sangue seco do verão.
Nas garrafas não cabem
Crianças suicidas de imaginação
Ou velhos temas azulejados.
Nas garrafas não cabem
As tangentes, a química entre nós,
Os mapas esotéricos.
Nas garrafas não cabem
A paixão carnívora dos cegos
Ou as vísceras da aceitação.
Nas garrafas não cabem
A rolha para vedar nossos lábios
Ou o vinho canto dos milagres.
Nas garrafas não cabem
O branco fio de cabelo crescente
Ou o que reside entre as conchas.
Nas garrafas não cabem
A orla que respira em vaivém,
Ou o prometido exílio dos ébrios.
Nas garrafas não cabem
As casas desabitadas do conhecimento,
Ou os troféus empoeirados.
Nas garrafas não cabem
Talheres para as viagens do poema.
Nas garrafas não cabem
Os quadris sem fôlego, selváticos,
Ou a queimadura entre as coxas.
Nas garrafas não cabem
O sêmen, remoinhos de estrelas,
Ou a porra toda que vivo.
Nas garrafas não cabem
O meu grito por ti, comerciante,
Ou o gengibre boca a boca.
Nas garrafas não cabem
O vazio vítreo, o vácuo que criamos,
Ou a plástica da própria garrafa.
Nas garrafas não cabem
O meu desespero em que tudo boia,
Ou o que eu procuro e não existe.
Nas garrafas não cabem
O homem, o você, o eu, a humanidade,
Ou o que o delírio multiplica.
(VFM)

HAIKAI


Sozinho no deserto
Meu oásis era longe de ti
Quando estou perto.

(VFM)

quinta-feira, 12 de março de 2015

BUSCA


Nas entranhas da noite
As sombras procuram
A bagagem perdida 
Das palavras.
(VFM)

NÃO VEREI O MESMO DIA


Não verei o mesmo dia
Já que tenho o olhar perdido
Nesta vida de ruínas e
O rosto inclinado pronto
Para arrumar o frio que
Se enterra na minha
Blusa vermelha.
Não verei o mesmo dia
Diante dos duros penhascos
Que vão se convertendo
Em palavras ferozes,
Rasgando o duplo vento da
Minha boca em um sorriso
Áspero e distante.
Não verei o mesmo dia,
Pois a terra está lavrada no
Tempo dentro de mim.
Há o ferro opaco a enterrar
O meu coração anguloso -
Tubérculo que os homens
Não mais aceitarão.
Não verei o mesmo dia
Conciliado na derrota de tantos
Corpos juntos ao sol que
Os recorda num azul podre
E inconfessável. Para onde
vai o relâmpago humilhado
Senão para o vidro das memórias!
Não verei o mesmo dia,
Nem tampouco a mesma carne,
A qual o silêncio mutila pelas
Ruas desertas e na lua de
Tungstênio - cinza máscara dos lírios.
Assim me informaram os sonhos
Instantâneos nos Achados & Perdidos.
Não verei o mesmo dia
Nas cidades e nos olhos que me
Estão tão longe, como aquele
Horizonte opiado no qual um
Lobo volta com a língua estrangeira
E a boca coberta de sangue.
Não verei o mesmo dia
Germinar no teu rumor:
Império profundo em uma
Flor solitária. Não verei. Aberta
Em mil feridas as minhas mãos
Tateiam as antigas horas
Coroadas nos mananciais da tristeza.
Não verei o mesmo dia
Em que te vi sonora de ideais,
Iluminando as lembranças alucinadas.
Não hei de ver; não quero ver
Este dia em que me vi
Esquecido de mim mesmo
Em ti.
(VFM)

TRILHA


A lágrima
Segue
A trilha,
Até chegar
À boca,
Fazendo
Daquele
Silêncio
A voz duma
Armadilha.

HAIKAI


Palavras ao vento...
Eu sopro versos
No meu cata-vento.

(VFM)

AFLORISMO


A palavra mal empregada não declara imposto de renda.

(VFM)

Quem plantou o coração em mim espantou os corvos


Quem plantou o coração em mim
Espantou os corvos. 
A primavera passou e não há chuva.
A terra está ressequida, a
Tristeza é um terreno árido
E o tempo ainda não arou
A criança cheia de lágrimas,
O sol, a mão, o verso, tudo
Que me machuca por dentro.
Quem plantou o coração em mim
Espantou os corvos.
Ele brotou com sua melancolia
Enchendo meu sangue de turbilhões.
Quem plantou o coração em mim
Espantou os corvos.
Foi também vil, insípido, arenoso.
Ele cresceu e vive e bate
Imaturo, entoando nomes
Na minha solidão.
Como não sei mais arrefecê-lo
Em silêncio, deixo teus galhos
Correrem meu espaço,
Ave aprisionada, e os espinhos
Sobrenaturais rasgarem
Meus ínfimos sorrisos,
E os frutos serem a cidra
Do meu pecado.
Quem plantou o coração em mim
Espantou os corvos.
Ando com o coração na boca.
Minha boca fica desfolhando,
Sôfrega, todo o meu espanto.
(VFM)

HAIKAI


Eu me detesto.
Meu coração revolto
Me faz de protesto.
(VFM)

terça-feira, 3 de março de 2015

PORQUE A GENTE SABE


Porque a gente sabe quando dentro do pantanoso peito alguma coisa se desvencilha e vence o inatingível.
Porque a gente sabe quando e como um sorriso se estrutura, e começamos assim nossa perdição desenfreada de sorrir ao mundo bronco e abstinente.
Porque a gente sabe quando os olhos estão intensos e as mãos seguramente tomam possa da vindima. Levamos à boca o fim da ausência, o perecível, o copo genuíno do amor.
Porque a gente sabe quando a alma teatralmente nos ensina os salamaleques das noites deitadas num poema. Vamos meios tortos, mas com aquela sensaçãozinha que as coisas vão dar certo e não precisa de ato final para nos aplaudir.
Porque a gente sabe - sabe talvez nada, porra nenhuma - que vale também os desajustes para sobreviver. Por isso é bom ouvir boa música,tocar espinhos, sentir saudade, dúvidas, vento, ler a esplêndida violência do sol, se culpar, se desculpar e encher a cara de sorrisos e lágrimas.
Porque a gente sabe que é bom pacificar sentimentos e transbordá-los num abraço. É preciso coragem. Até enviar sinal de socorro para ser resgatado por amigos enluarados que conseguem ler no seu rosto a carta sem endereço.
Porque a gente sabe - cá entre nós - quando devemos seguir em frente e deixar pra trás o branco insosso de uma tapioca, dos erros, dos descaminhos. Não nos acostumamos com tudo, mas acostumamos a viver.
Porque a gente sabe quando tudo que temos que passar e viver é atrás desse lugar-comum: a felicidade. Vamos muitas vezes nos frustrar, porém é um pouco de cuidar de si, de cuidar das urgências, do coração e espírito. Afinal, a vida é um coelho na cartola: é mágica e realidade; é ilusão e tentativas, é se aventurar por abismos.
Porque a gente sabe que o que marca profundamente também dilacera e vice-versa. E paciência. Há de chegar o momento e o momento sempre é o agora para dizer e calar, calar e fazer.
Porque a gente sabe que entre letras, que entre palavras e frases há o silêncio. Há, além de tudo, o que vamos ainda fazer acontecer.


(VFM)

32.


O tempo corre e vai me puxando pela mão com seu querer imenso. Mas, hoje, meu chinelo se arrebentou pelas distâncias. Terei que acompanhá-lo descalço, aos pulinhos, pisando nessas pedrinhas que me doem os pés: a realidade.

(VFM)
1.
A tristeza é um sussurro infinito.
O silêncio é uma eterna ferida.
A lágrima vem golpear aquilo que 
A gente começou
Em uma triste transparência.
2.
A tristeza é um instrumento
Abandonado no umbral
Da memória.
O silêncio é um copo vazio
Em que o corpo bebe
Como um sedento animal.
3.
A tristeza é um grito de um cadáver
Em direção ao frágil anoitecer
Dos relógios.
O silêncio é uma vela acesa
Nos olhos dos homens.
A dor não tem parêntesis.

(VFM)

Frase de um travesseiro:
- Meu sonho ter insônia!
(VFM)

MICROCONTO


Fominha
Assaltou a geladeira e ficou com prisão de ventre.

PERDOE


Perdoe minha aspereza trincando
Os meus lábios secos, já que as
Palavras não saem mais com ternuras
E a saliva é um pequeno acidente.
Perdoe os meus olhos suados
Pelos dedos roídos e sujos de sombras.
Estou a compreender que resta
Um pouco de alguém ainda neles.
Perdoe minha face entre o trágico,
O belo e o essencial. São marcas por
Questões de muito sol sem esperanças,
Chuva aos pedaços, e eu sou todo outono.
Perdoe esse meu nariz adunco ou
Possivelmente chato. Creio ser ele
Pouco importante, pois nem tudo
Na vida são de ternas flores.
Perdoe minhas orelhas geladas
Por furacões. Há uma criança esquecida
Nelas a esperar uma palavra do futuro,
Mas só escuto as pedras a repetir-se em silêncio.
Perdoe meus braços apocalípticos nos ecos.
Eles não dizem gestos e enlaçam abismos.
São como duas correntes prendendo os
Nossos naufrágios em tantos desertos.
Perdoe minhas mãos que não foram feitas
Para tua pele, o poema, os anéis enluarados.
Elas não tocam o teu infinito, somente
Te prendem em um mundo de cárceres.
Perdoe o meu peito fuzilado em muros de gritos.
Resiste dentro dele algo apodrecido
Enfeitando o meu sangue mecânico na sua
Derradeira eternidade. Ele é anoitecido.
Perdoe o meu sexo que desperta
Na tua ausência por acreditar em coisas
Que não sou capaz e mal sei gozar o mundo.
Meu tempo está murcho e os sonhos impotentes.
Perdoe minhas pernas cansadas de
Procurar o Paraíso ou alguma saída para
O nosso amor. Elas não se aguentam e ficam
Sustentando os meus sentimentos ridículos.
Perdoe os meus pés alimentando os caminhos
E correndo atrás de algum ritual que lhe faça voltar.
Talvez você volte ou fuja. Talvez tudo isso.
Talvez eu ande pisando no teu vulto de nada.
Perdoe-me. No entanto, se lhe bastar todo
Esse meu corpo assustado e magoado de espelhos,
Essa minha alma talhada em punhais,
Possamos, juntos, amar de outra maneira.
(VFM)