quarta-feira, 15 de abril de 2009

A Decisão

Gabriel não levava em conta que já, há muito tempo, vinha engolindo muita purpurina dos carnavais de outrora quando decidiu ser travesti. Estava sempre preparado para o estilo extravagante das senhoras-madames desquitadas (passou a fumar dois maços por dia de Derby vermelho), além das raparigas (assim se chama as garotas avulsas de sua terra), que, hora e meia, parava para beber na porta do bar do seu pai. Muita cor-colorido-colã mal cobrindo a relva pubiana, menos ainda, as alterosas nadegais e, obviamente, os dois montes frontais e rotundos. O olhar de confete do pobrezinho ardia de júbilo. Logo teve que dar um jeito: arranjou muito peito, cabelo e menos pelo, salto alto, decotes em recortes, saias para impressionar faias e tudo mais demais, ou em excesso excelso. Mal se preocupou com a família cheia de filhas, pois mais uma não traria problema-edema depois. O pai não chiou; mãe se empolgou e irmãzinhas impressionadas diziam: OH! (em devoção). Aí foi um mexerico na cidade de pouca idade, em ociosidade e de gente de anosidade. Gabriel tinha um apego a modismo e lançou o "Gabrielismo", sucesso de crítica nos cabarés anônimos. Sendo assim, com tantas irmãs-colegas-amigas, era um tanto de menina-mulher saltitando e tilintando pelas ruas, quase nuas (suas?). A inveja começou a imperar de par em par, pois dama de interior não suporta ver concorrência aleatoriamente invadindo seu (es)paço. Gabriel colecionava e colecionou de tudo. Às vezes umas marafonas pediam conselho de Disign (o charme de Milão erroneamente pronunciado e pensado) de Moda. Uma amiga sua até criou uma tal certa Daspu. Gabriel não quis rolexyt (outro encanto de dizer, ou seja, corrigindo, royallities). Gabriel tentava por que tentava e danava a chicotear a língua com o seu inglês pequenez. Era pronunciar uma frase chumaçada que todo mundo ria ria até. Cada dia a top acrescentava um utensílio idílico a sua penteadeira de madeira de beira, empapuçadamente rosa rosa primorosa. Todas queriam emprestado tudo felpudo. Ah! Não há de se esquecer os namorados. Ele teve uma gama na cama de machos em cachos. Sexo e Gabriel era algo anexo a sua vida. Depois, muito, de dois e dois, comprou, além do vintém, o imaginável e inutilizável, pouco importava, até nova aldrava. Gabriel, então, começou a ser afamado em outras regiões. Fez roupas de peões aos montões. Participou de leilões. Gabriel era O Travesti mais "tra-vestido" de lindo. Ano a ano costurando. Além do mais, escondido fez roupas para o Vaticano. E assim seguiu carreira de estilista e travesti. Prêmios e concursos eram muitos ganhos: "O Travesti do Século", estampavam as revistas do gênero, com esmero. Gabriel, nessa brincadeira de não levar conta, virou sinônimo de purpurina, ou seja, coisa que pisca-risca de odalisca, coisa Gay (o G foi oriundo do seu nome). Gabriel ganhou o mundo! Ao mesmo tempo, Gabriel perdeu-se dentro dos inúmeros mundos dentro do nosso mundo. E assim fiquei sem receber anos de notícias dele. Hoje mais cedo, por acaso, ele me ligou e disse: "Deixei de ser travesti, larguei tudo, abri uma oficina de carros. Vamos marcar um futebol com a galera".

(VFM)

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