segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

PARRAR



Para Nicanor Parra

Ele partiu e não pagou a conta,
Deixando-nos com todo tipo de poemas;
O cigarro aceso em cima do aquário
Para alimentar o vício do peixe imaginário.
Mais de um século de dívidas acumulou
Junto com as alfaces presas nos dentes.
Entendíamos que sofria de uma hérnia de disco andina.
Adorava Violeta e vivia aos cântaros chorando vinho.
Ele não tinha conserto. O seu relógio desleal
Marcava certas horas do infalível.
Chegava sempre de algum horizonte pecador,
Rindo como os sapos com a sorte grande dos príncipes.
O garçom nos olhava com temperamento ineficaz,
Tratando de enxergar o túmulo invisível.
O dono do estabelecimento nos perguntava
Por ele com sua gravata estúpida e sombra demoníaca.
Não queríamos dizer que ele não tinha pago a conta.
Arcamos com a dor da sua ausência e
Do seu copo de antipoesia pela metade do terço.
Estávamos cientes de que ele foi verter arquivos em nuvens esquecidas
Sem nos deixar, pelo menos, a gorjeta das suas últimas palavras.

(VFM)

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