quarta-feira, 9 de março de 2016

AQUELAS MULHERES ANTES DE NÓS


aquelas Mulheres antes de nós
vestiam silêncios diante da paisagem
que se abria e fechava para o futuro.
viviam a mais dura guerra; medalhinha
da virgem no pescoço, mãos atarraxadas
em lenços filigranados, ficavam enroladas
em ecos poeirentos diante de uma sala
deserta.
aquelas Mulheres antes de nós
buscavam sentido na insuportável
solidão, enquanto os maridos andavam
em navios do poder, majestosos,
intocáveis, sem razão. elas se
distraíam com suas menopausas
bíblicas ou menstruavam o informulado
ou pariam pensamentos cegos.
aquelas Mulheres antes de nós
estavam despedaçadas e não cantavam
o amor, que, de tempos em tempos,
pisavam o tapete da entrada dos
seus túmulos. assim elas passaram
anos e anos com seus corpos apoteóticos,
no reflexo da morte, mastigando o fruto
desbotado do machismo virulento.
mantiveram vidas simples, engolindo
o pudor de boas-vindas abruptamente.
aquelas Mulheres antes de nós
cresciam num poema, cujas feições
o sangue fazia vibrar fora do mundo.
elas se cansaram dos cafés subordinados,
dos seus senhores feudais e irromperam
das sombras apáticas, onde raízes
se faziam minúsculas. rasgaram por fim
o vestido roto e anoso e punitivo do silêncio.
aquelas Mulheres antes de nós
morreram, muitas, sob o julgo do violento
erro e do uso da palavra, dos olhares
sanguinários, dos castigos infindos.
foram séculos para vencerem o mínimo.
venderam-se. queimaram-se. mas
amadureceram, mesmo no frigorífico
aonde foram jogadas por muitos.
um golpe por dentro as fizeram acordar.
conquistaram, além das cicatrizes, revoluções.
aquelas Mulheres antes de nós
conseguiram com suas xotas escreverem
o demorado, o que realmente queriam.
sublinharam com os seios as madrugadas
do impossível. construíram os seus nomes.
aquelas Mulheres antes de nós
não vão parar frente às promoções vulgares
e a loucura agonizante do mercado.
aquelas Mulheres antes de nós,
essas mulheres, enquanto nos livram
da podridão do preconceito, vão se
fazer memoriais, devidamente perenes.
e em cada lágrima derrubada,
os travesseiros vão se petrificar
para que os homens deitem a cabeça
e entendam toda a verdade.
aquelas Mulheres antes de nós
somos nós mesmas!
(VFM)

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