domingo, 6 de julho de 2014

POEMA PARA A TRAGÉDIA EM BH - 3/7/2014

DEBAIXO DA PONTE RECOLHO OS RESÍDUOS DA NOITE


debaixo da ponte recolho os resíduos da noite
após o passeio afogado do sol dentro de nós.
tudo aconteceu tão rápido, que alguém olha
estes versos c/ o mesmo piscar que um lobo
dá ao decidir cuidar de um rebanho de ovelhas,
devorando do mercúrio à nuvem, da cidade
às palavras, do cemitério ao corpo que dizia:
debaixo da ponte recolho os resíduos da noite.
o céu desabou sobre o sonho de hanna que
guiava famílias por vias arquitetadas de tristeza,
onde charles transitava com um olhar grave.
a vida foi-lhes uma passagem cara de concreto.
os braços estendidos ligavam como viaduto
o pedido de socorro sufocado pelo aço. sirenes
se tingiram de pânico e sangue e outras cores
amargas de dor, no qual o dia falecia na literatura
de ivan e no processo de choro de kafka dentro
do ônibus, que ia em busca de um nome p/
o prato de comida metamorfoseado em fome.
debaixo da ponte recolho os resíduos da noite,
como se garimpasse atrás de ouro e só
encontrasse (por azar?) ossos e ossos e ossos.
o coração, esmagado de suor, dava nova
forma ao silêncio, moldando a carne ao sabor
triste, duro, duro, duro e oneroso da pedra.
debaixo da ponte recolho os resíduos da noite,
pois não se conta os mortos da mesma
maneira que as madrugadas ou as notas.
apagaram-se os sorrisos festivos do sol, disse
alguém sujo de indgnação, raiva e poeira.
não há p/ onde fugir. não adianta fechar os
olhos. sombras sinalizam o caminho,
dividindo em duas faixas este dia: morte e
negligência. p/ onde seguir quando precisamos
seguir em frente? agora o passado é uma
corcunda e meus olhos um animal ferido.
achávamos a salvo diante da nossa escolha,
mas o sol definitivamente se foi.
debaixo da ponte recolho os resíduos da noite,
escrevendo no amanhã o trágico destino
da casa vazia, da cama vazia, dos filhos vazios.
o que resta é uma serpente rubra de água
no rosto passageiro dos enganados homens
e o medo e o medo e o medo e o medo.
agora o imperador coça a barba com o seu
cetro, fingindo uma lástima, procurando desvios
p/ o acidente das horas nas últimas luzes.
o imperador não se importa. está cansado
contando a soma dos seus lucros e bens.
o nome da sua rua é diferente, cheio de
capachos aos pés p/ pisar a cidade, destruir
a cidade, demolir os homens na cidade.
o imperador vive na lua e olha de cima
os destroços e as chuvas ácidas que caem
sobre nós. nada vai acontecer. nada vai
amarrotar a roupa engomada do imperador.
continuaremos engolindo secamente seu poder,
continuaremos fazendo o sinal da cruz ou
sinal ao ônibus p/ atravessar a rota da vida.
debaixo da ponte recolho os resíduos da noite,
até que a corrupção limpe os detritos dos corpos,
que seguem corretos pela estrada em um
destino fúnebre e totalmente sem volta.
debaixo da ponte recolho os resíduos da noite,
onde o imperador aniquila a fé em são joão batista,
decapitando diversos inocentes e se deliciando
com a cidade morta em uma bandeja.
debaixo da ponte recolho os resíduos da noite.

(VFM)

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