segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Crônica no Tribuna Lagoana

Saudade

In memorian de Débora e Gelmar


É nestes momentos solitários que ela me acompanha. Nunca sei se Saudade nasceu livre para tilintar seu canto pelo mundo a fora, ou se brotou presa, guardada nas grades do nosso peito.

Quando menino, minha mãe me disse que a gente já vem com ela agarrada na alma. E para eu aprender desde cedo, minha mãe apressou em me dar a palavra, o objeto, o ser, que logo denominei de Saudade.

Enquanto eu ia vivendo, aprendia a importância que ela tem para mim, acho que para todos. Saudade canta diariamente, sempre, só com o intuito de sabermos da sua existência, sua presença eterna. A vida, para mim, é feita de Saudade. Todas as coisas no mundo fabricam minha companheira. Já é bem dito: Sapo pula para ter saudade momentânea do chão. Ou: Alma tem saudade do voo. E por aí segue...

Ninguém vive sem. Não tem como esquecê-la. A Saudade sobrevive com o alpiste que colhemos na vida, e, também, desperdiçamos. Ela tem, apesar de forçosamente negada, sua liberdade interior.

Saudade aparece quando menos se espera. Melhor, surge como chuva. Cai abençoando nossa memória, misturando-se com nossas lágrimas e recordações. Saudade, creio, consegue encompridar as horas e o pranto. Costura-se muita dor com sua água. Faz-se dela um lençol de rio.

Adquiri com o tempo mais e mais Saudade. Sou povoado de Saudade. Ela, irrequieta, vem pulando nos meus galhos, montando meus dias de cerimônias alegres. Porém, certo dia, eis que a encontro caída do cabide dos meus olhos. Murmurei. Choraminguei. Chamei-a. Nada... Na sua gaiola quem batia asas era o silêncio.

Gritei minha mãe para socorrer. Quando ela chegou, sua frase pairou no ar:

- Saudade foi alimentar os anjos.

O silêncio pingou na minha boca. Tinha entendido tudo. Quedei, por um momento, mudo.

Saudade, meu pássaro de estimação, meu canário da esperança, alçou voo e foi se espraiar no céu seus en-cantos.

A partir daquele dia, descobri, definitivamente, o real significado do sentimento por aquela ave; a dor da palavra.

Embora ela tenha partido, Saudade me visita constantemente. Sou sua árvore. Pois, do que adianta o voo sem o pousar? Saudade fez um ninho com os farrapos da minha lembrança.

E assim sigo... E que Saudade...


(VFM)

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