terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Crônica

Robertão


Vilma conheceu Vicente, por acaso, mas o acaso entre eles teve trilha sonora (Creio que todo relacionamento deve ter, e se não tem, casais, providenciem, rápido!). Todo o ocorrido se deu no bar e lanchonete e karaokê “Vem que Tem”, da dona Rose. Mulher temperamental, mais amarga do que doce.

Tudo começou na antiga máquina de karaokê, cheio de LP’s defasados, onde Vilma, toda quinta-feira, comparecia para cantar e beber. Pelo menos três ou quatro vezes na noite dava seu show, sempre repetindo a mesma canção: “Eu cheguei em frente ao portão, meu cachorro me sorriu latindo, minhas malas coloquei no chão. Eu voltei!...”. Era fã incondicional do Roberto Carlos. Para ela, mais intimamente falando, o Robertão.

Com sua voz, mescla de gruta e jardim, a música sempre saia parecida com seu nobre cantor. Robertão! A única que ela conseguia cantar perfeitamente (exageros à parte de amador). E Vilma fazia sucesso, para espanto das moscas.

Quinta-feira. Lá estava ela, pontualmente, um pouco elevada pelo bourbon, copo numa mão, microfone noutra. Justamente quando começava “O Portão”, entra Vicente, que visitava pela primeira vez o bar. Sujeito magro, calça de linho, camisa entreaberta, pente fino no bolso esquerdo, sapatos mocassim, cabelo ralo, olhos negros como sombra. Logo chegou, sentou no balcão.

- Uma gelada, por favor.

Escutou a canção, devidamente entorpecido, era sua música predileta. Mirou a mulher que, entre exaltada e emocionada, tecia as belas palavras. Foi tiro e flecha: apaixonou-se!

- Ei, garçom, quem é a moça?
- Vilma!
- Ela vem sempre aqui?
- Toda quinta.

Vicente não se demorou em chegar perto de Vilma, após o término da sua canção preferida.

- Prazer, Vicente!
- Vilma.
- Eu adoro “O Portão”. Robertão arrasa. Você também canta muito bem, igualzinho a ele.

E foi o papo a correr de boca em boca, de copo em copo. Despediram-se sem mais calores.

Na outra quinta-feira, e outras-noutras, a conversa tomou arreio, sempre ao som do Robertão. Não teve jeito: casaram-se! A cerimônia aconteceu na quarta-feira, claro!, pois quinta era dia do Robertão. Além disso, nada de marcha nupcial na hora da entrada da noiva. A música que regeu os corações do casal foi Robertão.

Vilma continuava sua quinta-feira cantando. Vicente adotou o ar de cansaço, já não a acompanhava mais. O sucesso de Vilma foi tanto que ela foi convidada a se apresentar com um pequeno cachê no bar do Beto. Vicente estava feliz por Vilma, pois agora tinha uma renda extra. Toda quinta lá estava Vilma abalando e embalando as noites no novo bar. Vicente passou a frequentar um outro boteco, bar do Sirley. Era um pra lá e outro acolá. O casório seguiu assim por alguns anos... Robertão na trilha sonora.

Até que um dia, quando Vilma tinha esquecido a voz em casa, ela resolveu, de surpresa, conhecer o bar que tanto seu marido frequentava. Ao chegar ao local, desconfiou do ambiente. Quando entrou, pronto! Pimba! Viu de pronto o Vicente no fundo, aos beijos e abraços com outro homem. Isso mesmo, outro homem! O bar era um reduto homossexual, às escondidas.

Numa rapidez de lebre, Vilma correu ao encontro do marido e já o puxou pela gola da blusa.

- Que bonito, hein, senhor Vicente! O que é isso? Me traindo com outro homem! Quem é este safado?

Totalmente sem jeito (ambos), Vicente gaguejou e regaguejou.

- Este é meu amigo. O Robertão.

O tapa veio logo depois, junto com a mistura das lágrimas: raiva, decepção e tristeza. Coquetel de dores.

Separaram-se, sem conversa, no outro dia, quando Vicente encontrou suas roupas no portão de casa. Ele bem lembrou, tristonho, da música que tanto gostava, “O Portão”.

Desde então, Vilma só canta as terças-feira. Em outro bar. E nada de Robertão! Agora só canta Erasmo, o Tremendão.

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