quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Crônica no Tribuna Lagoana

Apenas deixamos de ser criança...


Como é bom relembrar estes verdes anos e como é também tão triste. Esquecemos tantas coisas atrás do muro, feito pique-esconde, as cantigas de bom dia e boa noite, alegres e simples, os sonhos de sermos astronautas, atrizes de cinema, super-heróis dos desenhos, dos sabores muito doces, das verduras sem sabores, daqueles dias fantásticos. Apenas deixamos de ser criança?

Talvez tudo tenha sido levado junto com o vento e as pipas coloridas ou, quem sabe, continuam flutuando como nossas espaçonaves dentro das nuvens? “Olha um elefante!”, “Ali é um urso fofinho!”, assim desenhávamos no céu ensolarado, deitados na grama molhada, com os umbigos à mostra e os braços cheios de formigas bravas. Além disso, ouvíamos do tio perverso “Faz bem pras vistas!”, só para nos ver mastigando de todo tipo de inseto amargo. E quando corríamos pelas ruas, enlouquecidos, tocando a campainha dos outros, mais velozes que maratonistas, mais peraltas que os macacos em cada galho do zoológico. Bom também era voltar sujo para casa, ouvir os xingos da mãe e rir dos rolinhos na cabeça da vovó.

A vida seguia sem muitas preocupações, mas com ocupações exatas: brincar, brincar e brincar. Muito futebol, com ou sem meia, na praça, até arrancar a tampa do dedão do pé e chorar para alguém ver e nos consolar. Muitos jogos de queimada, muito cabelo queimado quando roubávamos aquela caixinha de fósforos. Bonecos e bonecas aos montes, companhias de quarto e terreiro, aventureiros de escadas, sofás e morrinhos de barro. Tempos de muitos amigos... Até imaginários!

Comidinhas? Já nos empanturramos delas, principalmente das inexistentes, bem como nos enchemos de feridas, piolhos e cataporas. O importante era se divertir e ocupar espaço e fazer barulho e deixar bagunça. Esta coleção de fatos parecia figurinhas do álbum que trocávamos com um pé de sapato do amigo, ou aquele papel de carta perfumado de outra vida.

Tudo era novo, era intenso e era de pedidos. “Mãe! Eu quero isso, mais isso e um monte daquilo”. Exigíamos a metade do universo e nada de não e senão. O certo era chato e o errado era certo e prazeroso. Não sentíamos frio, calor ou essas coisas. Quase nada nos cansava ou nos aborrecia, somente tomar banho, escovar dentes e fazer “o para casa”. A vida era muito complicada... Aos outros, os adultos. Para nós, crianças, a vida era simples, bem simples. Ainda ela continua assim, só que nos esquecemos disso, pois o simples é difícil de executar.

No entanto, mais e mais anos, pulando a corda do tempo e as casas da amarelinha, deixamos as dúvidas nos incomodar. Crescemos. A meninice se desfez e outros monstros começaram a nos assustar, sem cor nenhuma, sem que soubéssemos.

Então, as palmadas mudaram de mãos e as nossas brincadeiras foram juntas com os olhos de raios-X. Ah! Crianças, o que foi que nos aconteceu? O que fizeram de nós? Das bolinhas de gude do Saci? Tentamos reavivar as horas e muitas horas de um dia de criança. As maravilhas de uma época são nossos espelhos, que refletem e refletem as menores coisas de um único instante, que não acontece mais.

Agora, também, choramos, como antigamente...

Enfim, deixemos a bela lembrança descansar. Apenas deixamos de ser criança... Uma nova vida nos chama. Então, vamos lá!

(VFM)

3 comentários:

  1. Os leitores devem amar, né?
    Como tá rolando o feedback lá?

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  2. Tatá! Até hoje não recebi nenhum e-mail, nem ouvi comentários de alguém, só da minha avó rsrs. Quem sabe um dia eu seja reconhecido rs. Mas ainda bem que tenho amigos que leem meus rabiscos. :)

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  3. Ah, a alegria da descoberta de um texto perfeito, que tem o que dizer e o diz com todas as palavras em seu devido lar!

    OBS: Amigos que leem e acreditam em vc.

    Bjs.

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