quarta-feira, 25 de março de 2009

Vida do Trabalhador

Tu conheces a vida do trabalhador brasileiro? Não os empresários e empregos hierarquizados da sociedade, mas os que calejam as mãos, os que pegam no pesado, na enxada e no machado? Saibas o teu cotidiano, então.

És tu, trabalhador, que despertas antes da aurora, onde a mata vasta e ainda orvalhada faz pulular os coaxos dos sapos enamorados. És tu, morador da periferia, que tens as vestes carcomidas e consomes o primeiro café do dia, amargo.

És tu, homem de inúmeras crias, que saúdas todos os dias os vizinhos, com disposição e alegria. No ponto cedo, esperas tua condução, como sempre lotada; moléstia do trabalhador. Mais uma sardinha na quadrada lataria ambulante. O aperto e os odores incômodos dos pobres laboriosos exalam em todo o ambiente. Além do mais, vais empoleirado por pelo menos uma hora em trepidação, solavancos e empurrões.

És tu, trabalhador, que sofres depois por tanto tempo e, ao chegares ao destino, caminhas para economizar outra lotação. E vais pensando na vida, em guardares teu ordenado. Ao mesmo tempo, cantas Wilson Batista e sua música “o bonde São Januário leva mais um operário sou eu quem vou trabalhar...” Enquanto isso, os carros importados desaguam nas avenidas e destoam a realidade brasileira.

És tu, senhor, que vês pelo chão sujo e sem nome, no meio do lixo, homens e mulheres cantando, misericordiosos, uma ode à pobreza, com os braços erguidos, ao léu, buscando o aperto de mão do dinheiro alheio; ao mesmo tempo, consumindo perspectivas inúteis. Assim, vais vendo crianças descalças correrem seus anos, debaixo dos semáforos, fazendo malabarismo nas faixas do triste fado. Lembras que algumas têm pouco ou mais ou menos o tamanho dos seus rebentos.

És tu, pastor do sofrimento, de andar pesaroso, tendo a insossa companhia da ilusão. Ao badalar dos sinos percebes o séqüito na porta da igreja, que és contido por sonâmbulas criaturas perdidas no tempo; algumas com três ninhadas nas murchas mamas. E pensas: “Orais por eles...” Tanta diferença social no vagalhão da realidade. “Que és feito de tu? Porque sonhas água fresca em pote conspurcado?” A cidade desagasalhada de Esperança chora torrencialmente em teus telhados, e os derrubam. Dás adeus aos teus pertences boiando em água pardacenta. Acenas para quem amas, despede-se da tua cama. De repente, a sirene do carro de polícia te desperta dos devaneios do cotidiano. "Lá se vão seres aflitos, presos por grades da sociedade que os formou...". Sentes pena e tristeza.

És tu, andarilho, de rosto vincado, com o varal dentário cariado e um e outro ausente, que ainda crê num mundo melhor. Ruminas num sistema capitalista ingrato, com suas características de escassez. Paras em frente à banca e subtrais do bolso o parco dinheiro para o jornal. Os classificados insignificantes e sem empregos.

No trabalho, chegas e pões a armadura do batente, que te tolhe os movimentos e que te faz transpirar em demasia. O sol soca o lombo torneado e rígido; a fome te faz diminuir o ritmo de trabalho. Chamas teus amigos para o almoço. O self-service, sem balança, te ajuda a deglutir a comida o quanto quiseres. De prato feito, pirâmide egípcia, tens de colocar a carne em outro vasilhame. Comes vorazmente, pois o tempo é teu algoz. Voltas e ouves os brados poluídos de teu enfadonho patrão. Ao fim do expediente, soltas os grilhões; recebes a féria, que não paga as contas e impostos exorbitantes.

És tu, sofredor, de cansaço explícito, de companheiros desnutridos e esquecidos pelo mercado. Trazes contigo a visão dos aflitos, enfrentas a mesma labuta diária, chata. No caminho de casa és recebido por pipas, bolas de futebol, fogos de artifícios e fogos de armas de artifício. És tu, com a cesta básica nos braços; de filhos esfomeados, fracos, uns de barriga d’água, os outros maltratados, mas semeias o amor.

És tu, trabalhador, negro, ébrio de cana brava que te faz esquecer o tormento e apazigua tua vida. Esqueces a chave de casa no balcão do bar, escutas pagode e danças sem parar. Esqueces de ti mesmo, assim como o governo o faz. Retornas ao lar. Beijas o semblante da mulher amada, e dormes... E sonhas um dia deixares de ser a segunda pessoa... Na gramática, na cabeça dos chefes, no dia-a-dia e na vida.

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