Abro
parêntesis para escrever uma história assim como quem abre a porta
de casa, deixa a frase entrar e vê que alguém possivelmente lhe
espera. Dentro, a força do silêncio é um episódio do infortúnio
adornando a mesa de jantar. Abro parêntesis para me despir. Abro os
olhos e vejo o infeliz anúncio no rosto que outrora me amou. Pasmo.
De boca aberta, voz trêmula, engulo as respostas, mas não pergunto
se há resquícios em sua memória para que fique. Não quero
alardear a sombra que parte os objetos e fecunda a geografia dos
cômodos. Abro parêntesis e abro os braços na expectativa de poder
contar com mais um abraço, o qual estabelecemos como nossa chegada e
não de despedida. Nenhum sorriso se abre e não posso ver seu canino
sobressalente que marcava meu pescoço cômico. Vejo que está ao
lado do nosso retrato no ângulo exato de antiga felicidade. Queria
roubar essa imagem e jogá-la na sala. Fica tudo intacto. Em vão
empilho as palavras como a louça suja, assumindo minha
irresponsabilidade temporária. Abro parêntesis na espera que
caibam, mesmo que encolhidas, nossas falas de “para sempre” numa
cortês piedade. Abro parêntesis. Esse quase círculo talvez seja um
possível reparo ao meu ser desolado. Desenho com a caneta minhas
habituais dúvidas, enchendo o papel de porquês. A esta hora você
deve estar abrindo um vinho e sangrando no copo uma terrível mágoa.
Qual porção dele me habita? A noite se apura. O que você conversa
com a mão, o vento, o copo, a desatinada língua? Quando estiver
tudo vazio, igual estou, valeria uma sobremesa do passado?
Revezaríamos a dor? Abro parêntesis bem como a geladeira anedótica,
imaginando suas últimas sílabas frias. O semáforo se abre
indicando que podia passar e se salvar de mim em um mergulho perdido
nessa metrópole. Abre-se uma ferida de grande gravidade, e eu ainda
não sei o desfecho. Gostaria de me abrir a algo novo, mas como se
tudo o que vivi contigo foi novidade? Até quando sustentarei esse
parêntesis escancarado, ostentando meu peito nu ao desespero? Não
me abro ao sexo, encosto-me nas paredes frias para acalmar meu desejo
assassino e mexo no cesto de roupas sujas, pois nele deve restar uma
toalha mofada a qual guarda algum pelo do seu púbis. Isso bastaria?
A tristeza já não se esconde no meu rosto magro de lavrador e falso
poeta. O relógio se rebela, deitando seus ponteiros na minha
hibernação inútil. O tempo se alimenta. Abro parêntesis e o
chuveiro. A água que cai me abandona também pelo ralo por mais que
me demore. Ninguém há de entender o cinzeiro cheio de cinzas de
constrangimento, meus dedos amarelados, inclementes e sem
indiscrição, empregando sua ausência. Ficam as coisas largadas. O
mato a crescer impunemente no jardim da carne viva. A esperança só
a expiar. O sono segue sem sossego. Eu que nunca pensei novamente em
orar, ensaio um consoo ao desamparo. Todo fim carrega sua
imortalidade. Abro parêntesis numa solenidade irreal. Quisera eu não
ser assim. Os dias avançam sob um sol esquartejado e luas cansadas,
prolongando meu sofrimento febril. As lágrimas abrem trilhas
insólitas sobre meu corpo e sigo colecionando-as. Convoco os amigos
para ouvir as mesmas frases langorosas. “O amor é um prêmio
herdado das loucuras.” Vou preenchendo dentro do parêntesis o
árduo trabalho dos sonhos livres de um condenado. Queria me animar
pelos adeuses e entender que pode ser um nobre gesto. Mas quem se
anima ao estar sentenciado? Somos escravos do convívio, da carência
e ingenuamente dizemos que não, que queremos a solidão. Batalho
agora com o silêncio como um fantasma da madrugada. Abro parêntesis
para guardar momentos e histórias. O passado subterrâneo sempre
brota nas emoções. Abro parêntesis para registrar o destino que se
bifurca nas caminhadas. Ocupamos espaços na tentativa de imobilizar
o coração desguarnecido. Desacreditamos expondo nossos medos. Quem
sabe nesse embalo outro amor virá? Escuto minha impotência e, no
pulmão já sem fôlego, não diz o seu nome, fica preso nas barbas
dos anciões. O muito paciente se desperdiça. A embriaguez não me
diz fatos novos. A vida é um sonâmbulo que se esgota. A cabeça se
debruça na atmosfera turbulenta do travesseiro, incentivando-me a
criar outros problemas por cima da camisa. Abro parêntesis para
inventar um novo mundo. Era nossos lugares toda a cidade. Vou
compartilhar o pão e a música só para ouvir um continue e me
martirizar no amanhã. Fecho parêntesis já que também é sua
função a companhia inesgotável. Sei que não a verei mais. Fecho a
porta e janelas no intuito de distinguir a solidão arranhando o
assoalho criminoso. O silêncio vai amanhecer, enquanto a inquietude
se relata. O tempo vai proferir seu nome ainda, a saliva embebe
salubre as circunstâncias. Cá estou eu perdido no meu juízo,
tentando me preparar para o deserto tenebroso que passa e fica. Fecho
parêntesis (já disse isso). Deixo debaixo das páginas a saudade
para alguma voz abrir, como holofote, um outro espelho em que
possamos nos reconhecer e novamente se apaixonar. Fecho parêntesis.
(VFM)
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